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Assunto: Tablets made in Brazil Ter maio 24, 2011 3:43 pm
Respondendo aos anseios nacionalistas de gente que, desaprovando a turma do preço justo, dizia preferir aparelhos feitos em terras tupiniquins a ter de suportar aparelhos estrangeiros com diminuição de impostos, Aloizio Mercadante, Ministro de Ciência e Tecnologia, promoveu uma mudança na lei de incentivos fiscais para que o tablet produzido no Brasil saísse mais barato. Em média, 40% mais barato na loja.
A boa notícia, porém, esconde uma intenção retrógrada de voltarmos à década de 70, quando o Brasil ficou defasado em mais de 15 anos em relação ao mundo em termos de informática. Na época, leis nacionalistas dispuseram que no Brasil só poderíamos comerciar computadores brasileiros, de tecnologia brasileira. O resultado foi um prejuízo incalculável ao bem-estar de toda a população.
De acordo com as mudanças legislativas, já em 2012 80% dos componentes desses tablets beneficiados pelos incentivos fiscais deverão ser feitos com componentes brasileiros. Em 2013, 95%. Em plena era da globalização, em que componentes eletrônicos são feitos no mundo todo, isso é condenar novamente o Brasil a amargurar anos e anos de atraso, enquanto o mundo segue em frente.
É o custo do nacionalismo cego, tão louvado por essas bandas!
link da notícia: http://www.conversaafiada.com.br/economia/2011/05/23/lei-do-bem-barateia-tablets-aos-poucos-serao-tecnologia-nacional/
Análise um pouco menos superficial do mesmo tema:
Spoiler:
Como eu disse, vigorou no Brasil da década de 70 leis que impunham reserva de mercado muito semelhante à que se pretende instituir sobre os tablets hoje aos computadores de então. A intenção à época, semelhantemente, era altruística, fruto de um nacionalismo considerado "bom", de substituição de importações em um mercado estratégico - Ao produzirmos aqui ao invés de comprarmos de fora, estaríamos a um só tempo protegendo os interesses de defesa da nação, como assegurando que não seríamos explorados por nações estrangeiras; geraríamos nós mesmos riquezas exportando nossos produtos, beneficiando duplamente o povo brasileiro, graças à consequente oferta de empregos em área que demanda pessoal especializado.
O resultado, como sabe qualquer um que busque a história da reserva de mercado de informática, foi não só patético, como trágico. Foram mais de 15 anos de atraso tecnológico absoluto em todas as áreas dependentes de computadores e um desperdício incalculável pelo uso prolongado de tecnologias ultrapassadas como as máquinas de escrever - só fomos começar a nos recuperar de seus malefícios na segunda metade da década de 90.
É claro que eu usei esse exemplo primeiro pela correlação quase inseparável de uma reserva de mercados de computadores e de tablets, mas esse tipo de protecionismo nacionalista é história velha no Brasil. É bem provável que não se lembre, mas antes do Collor tínhamos por aqui uma reserva de mercado na indústria automobilística - só tínhamos carros produzidos no Brasil, com recursos brasileiros (carro importado era um luxo só para um punhado de grandes ricaços). Em consequência, a nossa frota de carros rivalizava com a de Cuba como uma das piores do mundo. Para se ter uma ideia, as Kombis brasileiras eram as únicas do mundo com portas de dobradiça ao invés de portas que corriam lateralmente, porque colocar dobradiças tornava muito mais barato produzi-las. Não só os carros eram carroças velhas, como eram também muito caros. Quando Collor abriu o mercado para a importação de produtos estrangeiros, a indústria automobilística brasileira quase faliu devido à concorrência internacional, que oferecia automóveis muito melhores e mais baratos.
Novamente, os reflexos dessa política de reserva de mercados resultou num prejuízo incalculável ao povo brasileiro. Quem já viu carroças velhas daquela época enguiçando e entupindo o trânsito pode agradecer o congestionamento à reserva de mercado. À época o argumento pela imposição de barreiras ao produto produzido no estrangeiro era a mesma: know-how brasileiro, empregos brasileiros, investimentos no Brasil, capacidade de exportação etc.
A história da reserva de mercado no Brasil é muito mais antiga que isso, porém, sempre com seus efeitos deletérios sobre a economia do nosso amado país. Quem já ouviu falar em cana de açucar, café ou substituição de importações já ouviu falar em reserva de mercados. Não fomos nós que inventamos o negócio, porém: modernamente, a prática tem suas raízes no feudalismo europeu e nas guildas do mercantilismo. Vê-se pela gênese que coisa boa não é, portanto.
Mas por que ela é tão ruim? E a resposta é óbvia: porque é um monopólio, e todo monopólio é ruim.
Vejamos o caso do tablet: os componentes precisarão ser todos produzidos no Brasil. À primeira vista parece ótimo, mas existe um motivo do por que da globalização ser hoje um fenômeno tão proeminente na produção de bens: nenhum país do mundo pode, ao mesmo tempo, produzir todas as coisas tão bem e tão barato quanto o resto do mundo consegue. Friedman deixa isso patente em sua "a história de um lápis":
Por que dar toda essa volta ao redor do mundo? Oras, porque é melhor e mais barato. Se todas essas etapas tivessem de ser feitas necessariamente no mesmo país o preço final do lápis não seria otimizado, e embora os industriais envolvidos possam lucrar bem com a reserva criada pelo governo, a população toda desse país sofrerá com o lápis mais caro e de qualidade duvidável.
Da mesma forma, o nosso tablet 100% nacional sofreria com as limitações do mercado brasileiro, o que refletiria em um produto comparativamente mais caro e de pior qualidade que o similar estrangeiro. E quem compraria um troço desses? Ninguém no mundo inteiro quereria os nossos tablets, o que incentivaria os produtores a fazerem um lobby para que o governo forçasse os próprios brasileiros a comprá-los, através da proibição da importação dos tablets gringos. Teríamos de desperdiçar mão-de-obra em uma área onde não teremos excelência e prejudicaremos no processo todo o povo brasileiro. E está feito, de repente estamos na exata mesma situação dos carros e dos computadores dos exemplos supracitados.
Não é um processo instantâneo e inicialmente o projeto de nacionalização de "interesses estratégicos" pode até ser positiva. Mas quando a coisa começa a degringolar - e ela degringola sempre - a escalada intervencionista simplesmente faz com que o negócio não valha a pena.
Embora tenhamos conseguido nos livrar da reserva de informática em apenas 20 anos, levamos muitas décadas para conseguirmos nos livrar de situações semelhantes. Desde as suas criações, por exemplo, Vale e Petrobrás só deram prejuízo - os lucros só começaram a vir nos anos 90, quando do fim do monopólio de exploração de petróleo e da privatização da mineradora. Não sei qual será a importância dos tablets no futuro, mas perder 10, 20, 50 anos não é um risco que o Brasil deve querer correr.
Não há nada de errado em ser um nacionalista. Mas isso não é desculpa para deixar de ver o que está à frente, isso é, ser míope. Agora, como chamar quem, além disso, também não enxerga o que houve no passado? Quem assim se encontra não vê nada - é cego. E isso é inadmissível.
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vídeo-aula em inglês para uma abordagem mais sofisticada e completa do assunto:
Lani Romée Major
Registro : Lanisso : Humano : Bard 7 / Playwright 7 / Boxer 5 / Iron Chef 5 / Ace Attorney 3
Assunto: Re: Tablets made in Brazil Sex maio 27, 2011 2:24 pm
Se até a comunistalha entende isso, como se nota pela origem do texto citado, o problema não é de visão política. É de puta falta de sacanagem mesmo. "Tudo que aparece de novo aparece no cu do povo", odeio admitir.
Assunto: Re: Tablets made in Brazil Sex maio 27, 2011 8:20 pm
Achei esse vídeo do lápis um exemplo bacana. No mais, creio que essa coisa de tablet tupiniquim é uma ótima ideia. Seria um próximo passo lógico depois do nosso movimentado mercado de celulares e video games 100% made in Brazil. Imagina só, poderíamos chamá-los até de "tabletes"! Tablete Positivo. Com uma temática indígena ficaria dez. Quem sabe depois de quinze anos as pessoas não enjoassem de escorar portas com ele e se ligassem.